3.2


- Esse é o mundo científico! - andrando quase em crash, com o cenário
perfeito dançando em volta.

Ele não era um pedreiro, nem tinha subido na boca. Quem andava de fuzil
agora era a segurança das empresas. Se ele fosse procurar, os velhos nos
botequins ainda davam um teco ou fumavam um mesclado, como falavam, pros
netos, sobre os tempos antigos. Agora, vendo um holo erótico no meio do
bar pra passar o tempo.

Mas não foi aí que ele procurou. O 3.2 era pra baixar. Como ninguém é
otário, o apli se autodestruía, a duração dependendo do preço. O cara
transferiu pra ele pelo Mapa, música holográfica tocando, num lugar bem
escondido.

Os ícones do Mapa no campo visual começaram a cair, ele já tava offline.
Uma aurora boreal tropical. Juntava com o som, ele dançou como se também
fosse um holograma. Sensação muito foda de ondas de tesão passeando pela
pele, brotando e se escondendo no corpo.

Ele começou a flutuar na viagem. Quem é bom de crackear já sabe como
controlar o holo do bagulho. Modelou um pégaso de metal que voou até o céu
escuro e tempestuoso. Lá em cima, o cavalo dançava, bem apagadinho no fundo
dava pra perceber o lugar onde o corpo estava, mas agora isso não fazia a
menor diferença, ele conseguia dançar montado e depois transformado no
cavalo de metal, e botou nas estrelas as imagens de filmes de guerra
espacial.

Tudo parecia uma engrenagem, isso era o mundo científico, borrava um pouco
a visão e dava pra ver que era computação gráfica. Mas a fritação de ver
tudo mexendo sincronizado como se fosse um reloginho era quase tão bom como
o tesão.

Upou tanto que perdeu a noção e meteu o pé da casa fechada. - Pera, cara,
tá indo aonde?  - Mas o outro, tão upado quanto, nem teve condição de correr
atrás dele.

Na altura do chão, a rua é tranquila, mais pra cima é que ainda tem gente
de aero essa hora. Os caras da Dove sempre na atividade, com o dedo
nervoso, é que seriam o mais perigoso.

Ele corria pra ver a rua coberta com o holo do 3.2, as paredes das casas
brilhando e piscando pra ele, ele sentindo o gosto da eletricidade no fundo
das placas solares e o barulho da internet sem fio zumbindo na cabeça dele.

- Meu filho, pega essa visão do Senhor - o pastor de terno e gravata tentou
sharear um holo pra ele. Mas logo viu que ele tava upado.

Nem conseguir xingar o velho ele conseguia, no máximo ele via uma sombra
bem de leve no meio de um arco-íris de texturas com cores metalizadas. O
velho se assustou e saiu saindo.

Ele aproveitou e foi embora em outra direção, achando graça dos dragões
elementais lutando no céu com uma sombra esmaecida de um coro de anjos. Na
escola dominical pública, ele desenhou uma vez Satanás de Sete Cabeças, e a
imagem do dragão de fogo se misturou um pouco com ele, enquanto atacava um
dragão de gelo com olhos puxados. Mas o pastor não, ele foi andando
devagarinho pra guarita e apontou pro viciado que tinha acabado de
encontrar e que tinha corrido dele. Alguma coisa de errado tinha ali.

Naquela noite, ele agradeceu pelo tempo em que fez parcour! O segurança num
aeroskate vinha dando rasante, chicoteando o plasma da arma de choque, que o
3.2 fazia parecer uma língua de dragão de prata. Ele se enfiou num beco,
foda-se a câmera, dali ele escalou num painel de um prédio todo pixado. Se
escondeu no vãozinho atrás do painel e segurou a respiração. Como o
segurança tava sozinho, só deu duas lapadas com a arma, olhou em volta e
desistiu, meio contrariado.

Ele esperou umas duas ou três horas até o Sol nascer, o orvalho ardendo na
pele, e o finalzinho do efeito do 3.2 mudando as texturas e cores do céu
que, por si só, estava em mutação.

4, 5 da manhã já tinha muita gente indo pro primeiro turno de trabalho, ele
ficou com medo de ser visto, esperou a rua ficar um instante em silêncio e
desceu de trás do painel. Podia ter tomado um tiro, mas não tomou, todo
mundo que tá upado dá esse tipo de sorte. E sempre tem uma história dessas,
que depois passam a ser até engraçadas, pra contar.

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